Para alguém que fugiu de uma guerra, o sírio Mouaiad Al Charfaoui aparentava tranquilidade.

O céu ensolarado de Santos em nada lembra os dias que ele enfrentava em Damasco, capital da Síria, cheios de poluição, com cheiro de pólvora no ar.

Em sua terra natal, a qualquer minuto ele poderia morrer – enquanto que, aqui no litoral, a qualquer momento ele pode ir à praia.

O homem alto, sem cabelos, de olhos claros e com idade aproximada de 45 anos, tem descendência de outras nacionalidades, todas misturadas, mas que o tornam quem ele é.

Poderia ser um simples imigrante, mas deu entrada no Brasil como refugiado. Antes passou pelo frio intenso da Rússia e cruzou a Turquia. Entrou em muitos lugares. Sabe-se lá as aflições que viveu em cada parada, o fato é que ele prefere não citar, e em um resumo, conta que percorreu 27 países.

Al Charfaoui afirma ter se encontrado por completo no Brasil. Considera o lugar perfeito para sua nova jornada, próximo de pessoas proativas, simpáticas e ambiente acolhedor. Sente que está começando uma vida diferente. Embora cercado de inúmeros sorrisos, é um viajante solitário.

A odisseia da família

Sua família está espalhada pelo mundo, também recomeçando suas próprias trajetórias. O casal de filhos, de 22 e 23 anos, está na Holanda estudando. O irmão fugiu para a Romênia. Seus pais, entretanto, não conseguiram sair da Síria por motivos financeiros e burocráticos.

“A passagem é muito cara e não tem como eles saírem de lá.”

No Brasil, o sírio continua a viver com ele mesmo, porém mantendo contato com os parentes.

Instalado na rua atrás do shopping Miramar, no Gonzaga, há 5 meses, Mido – como é conhecido – abriu um food truck chamado Salaam Shawarma & Lanches Árabes. Salaam, que significa paz em árabe, é exatamente o que ele deseja a todas as pessoas.

“Ninguém quer guerra e muito menos viver nela.”

Falando inglês com sotaque semelhante ao dos indianos e um português meio enrolado, Mouaiad conta sua história com naturalidade. De certa forma, parece até que não ter vivido dias horríveis.

Apesar de agora ser empreendedor, sua ocupação antes disso não era nada parecida: na Síria, era administrador e gerente de qualidade.

“Tenho muita experiência com isso, trabalhei 13 anos”, conta.

Atuou até mesmo na área de recursos humanos, mas de acordo com ele, todos os árabes sabem mexer com comida. Por causa da religião, eles não comem fast food e aprendem a cozinhar desde cedo. E quem trabalha perto dele confirma essa vocação.

Mônica Ribeiro tem um food truck bem em frente, onde vende coxinhas no copo, mas sempre que pode saboreia um dos lanches deliciosos que Al Charfaoui prepara. Mas é uma troca, já que ele muitas vezes come os minissalgados da moça.

Após viajar por tantos países, alguns até mais desenvolvidos que o Brasil, o sírio acabou por escolher Santos para viver porque ele acha os santistas bastante calorosos e receptivos.

Mido tinha um amigo aqui no país e este o instigou a vir tentar a vida em terras brasileiras. Ele começou em São Paulo, em 2013. Abriu seu próprio restaurante e, desde então, vem fazendo sucesso com suas comidas árabes típicas, que atraem pessoas de todas as nacionalidades.

No seu trailer produz dois pratos típicos: shawarma (frango com alface, tomate e molho de alho, enrolados em um pão sírio ou pão folha) e falafel (bolinhos de grão de bico com alface, tomate e cebola, também enrolados em um pão sírio ou pão folha), além de fritas. Mas tenta agradar a todos, oferecendo opções normais, vegetarianas e veganas.

O lugar pequeno abriga todos os mantimentos e alimentos que faz para as pessoas. Ao fundo do trailer, tem uma foto enquadrada de quando saiu no jornal A Tribuna. Seu orgulho até então.

Maso que as pessoas gostam mesmo é da comida. Quando o shawarma está no fogo, o cheio sobe e invade as narinas de cada um que passe perto.

A mistura de culturas faz Mido se sentir em casa, pois agrega um pouco de cada uma delas à sua própria.

Cada um que passe pelo local e experimente algum prato, já o faz prestar atenção e incorporar algo a si mesmo.

Esse choque faz com que as pessoas se aproximem dele e assim, vai colecionando sorrisos, abraços e amizades entre seus clientes e comerciantes próximos. Porém, o mais importante é a realização pessoal.

“Estou feliz aqui. Não sei quanto tempo vou ficar, mas espero que bastante.”

A saída do país

Percorrendo vários países, Mido não conseguia se encontrar em nenhum deles.

Pela cultura, povo ou dificuldade na comunicação e para conseguir um emprego, ele continuava saltando fronteiras, sem rumo.

“Quando deixei meu país, era difícil trabalhar no mesmo ramo”, explica.

Antes de chegar ao Brasil, ele não tinha ideia nenhuma de como era o país, só sabia que o churrasco brasileiro era famoso.

Antes de 2011, ano que marca o início da guerra na Síria, Mido conta que seu país era o mais seguro do mundo. As pessoas podiam andar com joias e relógios caros e ninguém olhava. Hoje, é o lugar mais perigoso, e qualquer um pode morrer a todo minuto.

Magda Cocco trabalha em uma loja de cosméticos perto do food truck e, comenta um pouco abalada que tudo o que acontece na Síria é muito triste, mas fica feliz que o colega tenha conseguido escapar e possa estar recomeçando.

“Acho legais as oportunidades que ele teve e essa chance de vender sua comida. Ele é trabalhador, espero que dê tudo certo.”

Mouaiad, firme no Gonzaga, aproveita em seus dias tudo o que não pode desfrutar enquanto estava na terra natal.

Preparando próprio alimento, fazendo amizades e conseguindo clientes, se sente acolhido por uma família, mesmo que não seja a sua de sangue. Acredita que um dia seus parentes poderão vir para cá.

Enquanto isso, tenta dar o seu melhor e procura ficar o tempo que conseguir.

“Eu gosto daqui, então fiz meus planos e espero apenas que a sorte aja a meu favor”, finaliza com um suspiro de leveza com a vida que está vivendo.

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