Vivemos um momento difícil e de extremo cansaço mental.
Somos nações unidas por um único receio e afastadas por este mesmo motivo; contratempo esse que nos força ao isolamento necessário na esperança de nos abraçarmos novamente.

O futuro, outrora fobia exclusiva da mente ansiosa, hoje espanta até o mais cético dos mortais – mesmo que este não se prontifique a admitir.
Estamos todos contando o tempo.

Mas tudo passa.

Passamos horas a fio mergulhando em notícias e informações que, muitas vezes, falham em entregar veracidade. A busca pela esperança no jornal nosso de cada dia é recebida, em contrapartida, por números cada vez mais altos e apelos cada vez mais insistentes.
Estamos todos perdendo tempo.

Mas tudo passa.

Passam por nós correntes que prezam pela nossa saúde ao lembrar-nos que ficar em casa é essencial. Por outro lado, os que se consideram inteligentes demais para ouvir cientistas renomados prezam por seu próprio egoísmo ao sugerir que ficar em casa é castigo de criança. E veja bem: o medo é tão grande que até o protesto é realizado dentro da segurança de seus próprios carros.

Pois é. Vivemos um momento difícil onde ficar em nosso próprio lar é considerado o pior castigo que poderíamos receber.
Estamos, quase todos, desdenhando do tempo.

Ver o lado bom em situações como essa soa até como heresia, mas há quem tente, e sinceramente, Deus abençoe o coração do otimista. É fácil ir à loucura com o isolamento, com a ausência de abraços, de carícias e beijos, e com o peculiar silêncio das ruas.

Porém, é ainda mais fácil sentar no sofá e fechar os olhos para meditar com bom proveito. Há quanto tempo você não conversa consigo mesmo? Há quanto tempo não aproveita sua família? Há quanto tempo não coloca as séries em dia?

Há quanto tempo você não lê?

Pode ser ousadia a minha dizer que, em um passado não tão distante, este artigo lhe passaria batido por não ser relevante na sua agenda atarefada. A poeira acumulada nas prateleiras não significa falta de limpeza, mas falta de interesse. O cheiro de um livro novo é mais interessante do que a leitura em si.

Não sou hipócrita – há anos venho colecionando histórias que nem ao menos o prefácio cheguei a ler. A rotina que plantamos não nos reserva a chance de colher em paz, mas ouso novamente em dizer que culpá-la é uma grande perda de tempo.

Por mais sombrio que soe, a quarentena ofereceu uma grande oportunidade que mal se reconhece em tempos modernos:
Deixar a tecnologia de lado para “abraçar” o bom e velho passatempo.

Aquele que desfruta de uma boa história esquece o significado da palavra solidão.

Viajar por outras épocas e desbravar novos mundos não requer nenhuma máquina, muito menos dinheiro em excesso. Se ficar em casa soa entediante demais, sugiro pagar uma visita para a Nárnia de C.S Lewis, ou para a Grécia antiga da Odisseia de Homero. Céus, escreva sua própria história! Intitule-se escritor! Brinque com as palavras até que elas obtenham forma e cheiro!

Trabalhar a imaginação pode até soar como distração infantil para os fracos, mas apenas os fortes sabem o quão valioso é contar o tempo nos capítulos de um livro.

O tempo.
Eis o real conceito que nos fora concedido de forma atribulada. O pessimista cruza os braços e espera o isolamento passar. Eu? Eu não tenho tempo para isso. Nenhum de nós tem.

O ser humano é tão arrogante que pensa ser capaz de possuir algo tão extraordinário quanto as horas em um dia, os dias em uma semana e os anos em um milênio. A ideia de ter em mãos um construto tão efêmero e tão eviterno soa como loucura em sua própria contradição.

A quarentena não disponibilizou mais tempo. Ela nos garantiu menos tarefas. E, se ao invés de ocuparmos esse espaço vazio com reclamações e protestos descabidos, ocupássemos ele com o que nos faz bem… talvez o tempo passasse mais rápido.

Vivemos um momento difícil.
Mas tudo passa.

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