Só se for pra ONTEM.
Lembro-me de uma época movida pela tediosa constante variante da espera. Nessa época, viver de internet discada significava recostar-se na cadeira em silenciosa expectativa enquanto o computador “bipava” e a CPU aquecia. Às vezes costumávamos deixar o pobre coitado acordar aos poucos enquanto preparávamos xícaras de café, sanduíches, torradas — o picnic inteiro para que não morrêssemos de tédio. A espera era longa, a internet era lenta, os recursos eram poucos, mas não haviam (muitos) motivos para atirar reclamações ao vento. É o que tinha para ontem. Não sabíamos que o tempo logo nos concederia um pouco mais de si.
Afinal, o imediatismo contemporâneo é fruto da tecnologia e do querer incomplacente. Vejo que, apesar de todo um aprendizado adquirido com o computador do passado, me encontro aos gritos quando a impressora demora mais do que um minuto para conceder meus desejos. Eu quero agora porque agora posso tê-lo, mas será mesmo que preciso tê-lo com tanta pressa?
Paciência, na filosofia hinduísta, é a capacidade de resistir a condições difíceis e a consequência de seus atos e ações (conhecido como carma). É também a capacidade de esperar, de suportar opostos como dor e prazer, frio e calor, tristeza e felicidade. É a invejável habilidade de enfrentar desafios de forma calma, sem ansiedade e sem desejo de vingança.
Mas espera aí. Sem ansiedade? No mundo em que vivemos? Certamente isso parece uma teoria fraudulenta criada por coaches de Instagram. Em 2019, a notícia de que o Brasil é o país mais ansioso do mundo fez muitos perceberem a gravidade atual da situação. 18,6 milhões de brasileiros convivem com o transtorno da ansiedade, mas nem metade sabe ou tem condições financeiras para tratá-la devidamente. Então, ao invés de endossar a busca para amenizar tamanha dor, a sociedade como toda e qualquer multidão segue o fluxo do imediatismo constante pois não há tempo a se perder. Não há tempo e ponto final.
A sensação atual é de que o mundo começou a girar mais rápido. Nos comportamos como se a translação da Terra ao redor do sol levasse 1 hora e a rotação apenas 1 minuto. O dia passa tão rápido quanto um devaneio fugaz ; desses que você tem ao olhar pela janela do ônibus sem prestar atenção na paisagem do lado de fora. Estamos vivendo o presente com a cabeça no futuro e os pés fixados no chão. Sofremos de imediato com problemas de um possível amanhã que ainda não foi vivido pelo simples fato de querer pular as etapas do agora para enfim viver o depois. E o depois. E o depois do depois. Até perceber que nada foi vivido, apenas cogitado.
Onde está a virtude do homem que sequer espera o café esfriar pois prefere queimar a língua do que perder tempo respeitando a natureza das coisas?
“Paciência é o melhor remédio para todos os problemas.” Plauto
Eis que me pergunto se o imediatismo permitiu que alguém terminasse essa leitura. O bom leitor atual vai discorrer sobre um título, um subtítulo e, quem sabe, se audacioso sentir-se, um primeiro parágrafo curto. O mal leitor vai bater o olho na manchete e chegar às próprias conclusões pois o imediatismo não engloba o conhecimento in vita.
A ironia se constrói sozinha: é preferível que se gaste tempo em baboseiras de redes sociais do que se perca tempo em alimentos para a mente. A internet discada funcionava tão devagar que a utilizávamos apenas para obter resultados específicos. Hoje, com o mundo na palma da mão, obtemos meia dúzia de resultados efêmeros e uma centena de baboseiras na mesma intensidade.
Não estamos, de fato, preocupados com o tempo enquanto conceito abstrato. Estamos fantasiando com excessos desnecessários, mimados pelo imediatismo, assombrados pela vontade de fazer mil coisas ao mesmo tempo.
Estamos com excesso de ansiedade.
Eu não quero tudo. Não quero fazer tudo, não quero ser tudo, não quero ter tudo na palma da minha mão.
Eu quero viver um dia de cada vez… mas só se for pra ontem.
Ótima abordagem e com extrema lucidez. Reflete o estágio atual da raça humana.
Parabéns
CurtirCurtir