Do latim picare – e se eu não soubesse do que tô falando eu diria que essa matéria é sobre picada de pernilongos -, o significado é “trazer consigo” ou “ter em si”. Para a filosofia, é um tipo de amor representado pela amizade, explicado pelo nome Filos. Mas do que estamos falando, afinal? Vou dar as dicas, tipo jogar Forca: tem cinco letras, as vogais a, e e o e as consoantes p e g. Ainda não descobriu? Tudo bem, me rendo. Estamos falando daquela coisa que as pessoas confundem com grude, mas é mais profundo que isso: o apego.
O apego é o sentimento de afeição ou simpatia que se estabelece por algo ou alguém, é como uma ligação emocional. Quantas vezes durante a nossa vida já não ouvimos as pessoas dizerem “fulano de tal é muito apegado com o dinheiro”, ou então “ela é muito apegada com a mãe”. Talvez até você já tenha dito isso para alguém.
É algo tão natural no nosso dia a dia e relações que as vezes não notamos a presença dele encostada em nós. De acordo com alguns estudos na área de psiquiatria, o apego serve majoritariamente para a construção de relações sociais, mas gera também a auto confiança.
Assim como a ciência, o apego também tem um homem considerado o “pai”. John Bowbly, psicanalista e psiquiatra britânico, deu início a pesquisas analisando recém-nascidos e a ligação que eles desenvolviam com as mães e cuidadores e crianças órfãs após a Segunda Guerra Mundial. Só de pensar na possibilidade de alguém importante pra mim morrer eu já me sinto mais apegada.
É normal sentir isso em relação a alguém que te faz bem, que te dê segurança e faça parecer que gosta da sua companhia – e isso ocorre em todos os tipos de relacionamento, beleza? Mas existem alguns tipos de apego, quatro para ser mais exata, categorizados por John (que eu vou dar uma resumida pra não me apegar demais aos conceitos):
Apego seguro: é despertado em pessoas que têm opiniões positivas sobre si, os parceiros e os relacionamentos em geral. Esse tipo de pessoa se sente confortável com a independência e a intimidade. O positivista que sabe se adaptar.
Apego evitante: esse tipo é comumente visto em pessoas que se consideram auto-suficientes e não necessitantes de relações, porque elas precisam de um alto nível de independência como uma forma de não tentar se apegar. Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também.
Apego ambivalente: essas pessoas são as que buscam a todo momento a aprovação, intimidade e receptividade do parceiro. Podem se tornar extremamente dependentes e às vezes duvidam do seu valor como parceiras. Essa sim é a pessoa grudentinha, mas com baixa autoestima.
Apego desorganizado: esse tipo de apego é visto em pessoas que tem sentimentos ambíguos: por um lado querem relacionamentos, por outro não. Dependendo do quão conflituosa é a ambiguidade, pode fazer surgir a dúvida nos interesses do outro. O confuso sentimental.
Mas por que nos apegamos? De onde surge isso? Joyce Monteiro, farmacêutica de 26 anos, conta que depende de como a pessoa a trata. “Sou apegada em pessoas que têm carisma, cuidado e me tratam bem.” E, vamos combinar, quem não gosta de se sentir amado?
Existe também as pessoas que estão no meio termo, que é o caso de Soren Portella, a estudante de engenharia química de 23 anos. Ela conta que é apegada por conseguir criar relações muito sólidas e duradouras, baseadas sempre em confiança e respeito. “Mas apesar disso também me acho desapegada, porque sei lidar bem se a pessoa tiver que sair da minha vida de vez. Sinto falta, claro, mas fico tranquila e guardo as boas memórias”. E no final, existem as desapegadas, como Yasmin Lima, 18, estudante de jornalismo: sou extremamente desapegada e acho isso um privilégio. Ela explica que não há acúmulo de sentimentos mal resolvidos e que não é bacana ser extremamente apegado. “O desapego gera equilíbrio.”
Na visão da psicologia, no começo da vida precisamos de cuidados para que possamos sobreviver. Com base em estudos feitos, o apego é essencial para a dinâmica relacional entre as pessoas. A futura psicóloga Thainá Rodrigues, de 24 anos, explica: o apego acontece porque precisamos de cuidados por muitos anos das nossas vidas até que comecemos a caminhar com nossos próprios pés – não só no sentido literal, mas também no sentido figurado. É como a gente aprende a viver, a se relacionar com a sociedade e na cultura em que crescemos. Após isso, outros contextos surgem, onde continuamos criando vínculos e aprendendo novas formas de fazê-lo, como na escola, na igreja, e outros ambientes nos quais somos inseridos e que fazem parte do nosso desenvolvimento.
O apego às coisas
Como é conhecido da raça humana, conseguimos colocar sentimentos até onde não tem. Com certeza toda pessoa conhece alguém apegado a bens materiais (dinheiro, roupas, quadros, coleções…), e talvez você também seja uma delas. Não adianta fingir: se você não é mais, você já foi. Esse karma todo mundo carrega um pouquinho.
“Sou extremamente apegada a hábitos que me confortam, de certo modo, por me satisfazerem há tanto tempo que fica difícil deixar pra lá. Vejo o apego como algo diretamente ligado à zona de conforto. Sou apegada aos meus livros e à boa leitura feita no completo silêncio. Não me obrigue a ler algo no meio de uma reunião familiar, por exemplo: é inevitável que eu me levante e me dirija até o canto mais silencioso da casa pois sou apegada demais a esse gesto pequeno”, explica a estudante de letras Luana Alves, 21.
“Eu sou apegada em músicas. A pessoa que me apresentou pode nem estar mais na minha vida, mas se a canção ainda tiver algum significado eu com certeza vou ouvir com certa nostalgia e carinho”, comenta Flora Silveira, tradutora de 27 anos.
E sem contar que existem aquelas pessoas tão apegadas que não se desfazem de NADA. Mesmo. O vínculo sentimental com aquillo é tão grande impede a pessoa de criar outros vínculos. O canal de televisão A&E criou um programa chamado Acumuladores Compulsivos. Sim, eu sei, não é a mesma coisa, mas é uma forma de retratar os fatos de pessoas que realmente sofrem com isso.
O apego e os efeitos no psicológico
Não é segredo para ninguém que nosso psicológico é quem manda e que, dependendo do estado emocional da pessoa, pode trazer consequências até mesmo físicas. Por isso, é importante saber dosar o apego para que não se transforme em algo emocionalmente dependente, trazendo prejuízo para as partes envolvidas – pode até se transformar em algo tóxico.
“Basicamente, vínculos afetivos saudáveis trazem efeitos de bem estar. A pessoa se sente acolhida, querida e segura em relação ao outro. Quando os vínculos criados na primeira e segunda infância são bons e saudáveis, mais chance de que a criança se torne um adulto mais confiante e preparado para enfrentar desafios. O apego em si, na idade adulta, se for bom, traz bem estar. Se for de muita dependência, pode ter mais ansiedade envolvida e um medo constante do abandono, o que deixa as coisas mais conturbadas”, explica Thainá.
Nós geralmente associamos ao apego às relações românticas, mas em qualquer relacionamento social existe a chance de criar esse vínculo afetivo. Mas trabalha isso aí pra não te fazer mal, tá bom? E outra coisa: não se apega demais ao que eu disse aqui não. É só colocar em prática aquilo que o pensador contemporâneo Zeca Pagodinho diria: deixa a vida me levar, vida leva eu.