“O amor tem duas caras, uma branca e a outra negra; dois corpos, um suave e outro peludo. Tem duas mãos, dois pés, duas caudas, dois, na verdade, de todos os membros e cada um é exatamente o contrário do outro. No entanto, o amor é a razão porque ambos os lados estão unidos.” – Virginia Woolf

Não, esse não é mais um texto de amor. Não sobre o amor, propriamente dito, mas sobre o romance. Há quem pense que o nome tem relação apenas com as relações românticas interpessoais, mas não é bem assim. Romance é um gênero narrativo que apresenta uma história completa. É proveniente dos contos épicos e tem uma narrativa próxima com a realidade. Já o romance romântico tem características de um idealismo, amor a algo ou alguém e geralmente a luta entre o bem e o mal. 

Mas ainda não chegamos ao x desta questão, que no caso é: por que gostamos tanto de romance? Por que precisamos de casais em livros, filmes ou séries? E por quê obras que não focam em romance nos fazem procurar avidamente por este tema? 

“É muito fácil shippar personagens, cair nas malhas da ficção de um romance impossível, onde existiria o ‘felizes para sempre’, porque no íntimo cada um busca a peça que falta no quebra cabeça”, explica Amora Fuentes, psicanalista. 

Esse final feliz é imposto em nosso subconsciente desde quando somos pequenos. Os filmes da Disney nos induzem a acreditar em príncipes encantados e amores irreais. Sempre com as dificuldades para alcançar aquele patamar idealizado de que para ser feliz é necessário passar por muita dor e sofrimento. 

“A ideia vendida parece boa, tá em tudo que é música e filme e qualquer tipo de produção artística. É uma coisa bem abrangente e que quase todo mundo tem em comum. A gente se identifica ou quer ter igual. Traz sentimentos intensos pra caramba e é uma fonte inesgotável de inspiração, seja pro bem ou pro mal. E vende… vende bem”, aponta Thainá Rodrigues, psicóloga. 

E não importa quantas décadas passem, o enredo de encontrar o amor verdadeiro é sempre o mesmo – ou quase sempre. Nos filmes mais novos, o homem salvador da princesa foi deixado de lado e transformado em amor fraternal. É possível ver tal mudança de uns cinco anos pra cá. Mas mesmo assim, sempre há a relação de amor com o outro. 

Por mais que o estereótipo tenha mudado um pouco, não dá para fugir totalmente do romance romântico. Em Frozen, por exemplo, os diretores quiseram explorar o relacionamento das duas irmãs, Elsa e Anna. Entretanto, não teve como deixar inexplorado o fato de uma delas querer encontrar o amor verdadeiro. Já em Malévola, a moral da história que o filme nos dá é que o beijo de amor real não pode vir de um príncipe qualquer, e sim da família. 

“Por sermos faltantes, fundados na falta e na frustração a partir de nossa primeira relação com o Outro, encarnado pela figura materna, vivemos em busca de um objeto que nos complete”, comenta Amora. 

Mas todos precisamos de romance?

“Não acho que precisamos do romance em si, mas das sensações que ele traz. A ideia da reciprocidade dá um sentimento de conquista e de pertencimento a algo que vai além de nós mesmos. Vai além também da típica ideia do amor não existir pois é tudo fruto da serotonina, sendo que somos mais complexos do que ‘simples’ respostas químicas a gestos de afeição”, aponta Verônica Jandaia, filósofa. 

Basicamente, isso não quer dizer que o romance seja feito sob medida para todos os seres existentes – longe disso, aliás. Há quem prefira terror, por exemplo. Mas a questão é que, geralmente, até o ser humano mais frio um dia vai querer um chameguinho. Isso porque é imposto a nós desde quando pequenos que temos que crescer e formar uma família.

“O romance representado no cinema, nas séries, nas músicas, nos livros, é o conceito de seus escritores, absorvido pelos consumidores, que por sua vez criam seu próprio conceito e se veem refletidos em parte ou totalmente”, comenta Laura, professora de robótica. 

E passamos a vida buscando “a pessoa certa”, quando na verdade isso não passa de uma construção social. Passamos a vida buscando quem nos complete, mesmo que sejamos inteiros. E tudo isso porque sentimos que devemos continuar o legado dos nossos antepassados.

A gente se escolhe todo dia

E eu te escolheria mais milhões de vidas

Porque uma só é pouco com você, amor

E eu quero tudo que eu puder viver, amor

Anavitória – Explodir

Mas ao longo do tempo, assim como os filmes mudaram um pouco o padrão, as pessoas passaram a deixar o romance em segundo plano e focar mais em si, na carreira. É algo que vem mudando ano após ano e tende a se modificar ainda mais. Afinal, como dar aquele presentinho pra morena se você não trabalhar? A morena nesse caso é você mesmo. Se presenteie. 

Mas ainda assim procuramos por um romance, algo que nos traga semelhança com o que consumimos a vida inteira, que estamos acostumados a ouvir dos parentes e das tias no natal – e os namoradinhos? Talvez essa identificação que a gente traça das nossas paixões e desilusões alimente o sonho de que isso se torne real e possível.

“Essa ideia de completude se mantém no amor romântico pois é na distância onde a idealização se sustenta. Assim, ele se trata de um amor autorreferido já que surge ali onde projetamos nosso ideal de eu no outro. Portanto, amar de forma romântica é se amar através do outro e querer ser amado pela vida de um ideal”, complementa Amora. 

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s