Sofrer pelo leite derramado, sofrer pelo time de futebol, sofrer pelo ex, sofrer por amor, sofrer pelo sofrimento dos outros – sofrer e ponto final. Por mais desconcertante que isso soe, o sofrimento nos acompanha dia e noite e noite em dia de forma tão passional que sequer notamos o quão apegados estamos a ele.
Lembrando que não estamos tratando de masoquismo, onde o prazer é obtido na dor.
Aqui o prazer é obtido independente da dor.
Ninguém sofre porque quer, mas todos gostam de sofrer.
O que fazemos quando estamos tristes? Ouvimos músicas tristes. Criamos até um estilo musical à parte para dar mais espaço à dor que sentimos: a sofrência.
O ser humano não poderia ser mais controverso. Ele pratica exercícios físicos mesmo sabendo que o corpo vai doer no dia seguinte, se enche de fast food mesmo sabendo que o estômago vai reagir de forma pouco prazerosa e se apaixona mesmo sabendo que pode ter o coração partido a qualquer momento.
Em alguns casos, a vontade de sofrer é substituída pela necessidade de sofrer, mas ambas andam de mãos dadas na maioria das vezes. Fazemos exercícios pois obtemos resultados tanto físicos quanto mentais, que é no caso da produção de hormônios como a dopamina, responsável pelo prazer. Comemos fast food porque é uma delícia, o que nos proporciona uma grande sensação de prazer. Nos apaixonamos pois o amor recíproco, por mais breve e falso que possa ser, também desperta uma incrível onda de prazer.
E, por fim, ouvimos músicas tristes quando estamos tristes pois a conexão que criamos a elas também nos ocasiona momentos de: prazer.
“Existe prazer na floresta sem trilhas”, dizia o poeta Lord Byron. Desafios difíceis e muitas vezes dolorosos despertam fascínio em quem deseja testar o quão longe consegue ir sem desmaiar no meio do caminho. Nesse caso, a sensação de recompensa fala mais alto do que a dor que vem com ela.
Se o sofrimento causa tanto prazer, podemos realmente dizer que gostar de sofrer é tão absurdo assim?
Comer, Rezar, Amar & Sofrer
Em meio a uma vida feliz, o sofrimento surge para exterminar a paz, amortecer o prazer e a esperança de vida.
Rudolf Steiner
Em seus estudos sobre a dor e a melancolia humana, o filósofo alemão Rudolf Steiner faz clara conexão do sofrimento com a espiritualidade. Segundo ele, sempre que nos empenhamos em estimar o valor da vida e atribuir-lhe significado, acabamos por reconhecer o papel desempenhado pelo sofrimento e pela dor. Não existem dias felizes sem dias tristes, pois a ausência da angústia nos privaria de reconhecer o prazer como seu oposto.
Steiner aponta a dor como porta de entrada para a exploração do eu interno. “Pensem em uma obra de arte, a tragédia. Ela somente surge se a alma do poeta se abrir totalmente, afastar-se de si e aprender a sentir a dor alheia, suportar o peso do sofrimento alheio sobre a própria alma”. Os momentos de maior intimidade entre o ser humano e seu próprio espírito ocorrem quando a dor está em seu ápice, pois ela o obriga a ficar face a face com seu verdadeiro eu.
Ninguém questiona os próprios atos quando se está repleto de felicidade.
Pessoas de todas as épocas acreditavam que deviam reconhecer que a vida e o sofrimento estão profundamente entrelaçados. No meio do Velho Testamento, por exemplo, a partir da obscura visão da tristeza, desponta uma intensa luminosidade.
É sofrendo que se aprende
A verdade é que, ao sofrer, desbloqueamos também a necessidade de transformar a dor em uma árvore que dá frutos. Ou seja, a partir do sofrimento nasce a aprendizagem; a partir da aprendizagem, o conhecimento. Essas são as palavras do antigo dramaturgo grego Ésquilo, nascido na Grécia em 524 aC, conhecido como pai da tragédia.
Suas obras seguiam a tendência de relatar a busca do sentido através do otimismo. O princípio moral do ser humano era fadado a vencer conflitos filosóficos e éticos independente dos obstáculos encontrados pelo caminho. Se for pra sofrer, que seja semeando o bem, e se for pra colher algo, que seja conhecimento.
A sabedoria amadurece por meio do sofrimento.
Ésquilo
Em depoimento para o 9noandar, a estudante de psicologia Ana Julia Freitas atribui ao sofrimento o papel de entregar uma felicidade consequente. Depois da tempestade, o arco-íris. “Não acredito que haverá felicidade no sofrimento, mas depois de momentos de sofrimento podemos encontrar estabilidade”, diz. “O sofrimento pode preparar o “terreno” para a construção da felicidade”.
Amanda Barbosa, também estudante, acredita que a valorização da dor vem da ideia de que sofrimento = vida. “Tem aquela coisa de que se você não sofrer na vida, você não viveu; então a gente conta sofrimento como experiência de vida”. Por mais otimistas que tentamos ser, é mais fácil focar no lado ruim das coisas do que no lado bom. “A mente pessimista ocupa mais lugar”.
Existe uma linha tênue entre a romantização do sofrimento e a aceitação do sofrimento como parte do circuito para um objetivo maior. Nos parágrafos acima, aprendemos que a dor pode abrir as portas do conhecimento, mas ninguém precisa sofrer para ganhar massa cinzenta.
E então? Por que gostamos tanto de sofrer? A resposta é simples: não somos apaixonados pelo sofrimento, mas muitas vezes recebemos ele de braços abertos, seja na hora de amar, praticar esportes ou colocar a playlist de sofrência pra tocar. De qualquer forma, ele vira um meio para um fim. É uma grande oportunidade de transformarmos a dor em algo produtivo sempre que possível.
O importante mesmo é valer a pena no final.