Perdi tantas irmãs que já perdi as contas e a coragem de dar a cara a tapa na rua escura — sabe-se lá o perigo que me procura. Ao decorrer do dia meu carrasco assovia e me chama de vadia quando não o retribuo. Mulher boa de verdade aceita ouvir absurdo. Eles pintam quadros lindos pra esconder a escravidão do nosso gene, a proibição em massa e o preconceito em fluxo; a masculinidade tóxica vem empregada em ditadura. Abaixa a cabeça, princesa, senão a cinta queima e a autoestima cai.
A nossa vida é dura, mas a beleza é pura, e é disso que eles gostam mais.
A dor começa dentro de casa, no fogo a brasa, o pai que rechaça cheirando a cachaça atiçando a mãe e a filha menor. “Melhor que eu você não acha nunca, agora engole o choro, não paga de maluca, controla esse teu tom de voz”. No dia seguinte ele finge demência, pede perdão pela violência, coloca a culpa na carência e continua indo de mal a pior.
Garotas confiantes não passarão: quanto mais solitária, melhor.
Ela não podia tirar um dia pra votar, mas era obrigada a usar 9 meses de sua vida pra garantir o legado do marido. Seu desejo pouco importava — a maternidade era obrigatória. Morrer solteira era pecado e viver sofrendo valia como vitória. “Uma família grande!”, era o que todos queriam; poucos sabiam o sacrifício que um enxoval custava. A sociedade exigia vê-la com um sorriso no rosto enquanto a placenta sangrava.
O tempo passava, nada mudava.
Chega dia 8 e eles vêm com buquês. Uma rosa pra outra rosa, dizem, sorridentes. Pra eles, a mulher é que nem flor: nasce, cresce, se reproduz e morre. Não tem querer, não tem poder, não tem história. Empatia pra que se até a mãe natureza eles destroem? As dores dela não os corroem. Os gritos não afetam tanto quanto o álcool em suas veias; cada tapa uma sentença de morte. A justiça não existe no Brasil! Cada uma faz sua sorte.
A menina cresce fadada ao descaso.
Já ele, covarde, tem como escudo a própria sociedade. Aproveita o machismo da vizinha pra culpar a saia que a garota usava. Fosse burca, no mesmo dava; serviria de aperitivo como toda mulher objetificada. Não aceita não como resposta, não sente pena de quem abusava. O tempo passava, nada mudava. Bendito seja o ventre na igreja, fora dela são outros quinhentos, o filho rebento ninguém quer sustentar. Ninguém quer criar. Ninguém quer amar. Isso é dever de mãe, sexo frágil, fêmea fútil que só pensa naquilo: igualdade.
É muita crueldade.
Não cabe numa caixa de bombom.
8 de Março: Dia das Mulheres.