Haja preguiça, haja canseira!

Vivemos uma realidade tão ativa que cansa só de imaginar, e a cama da gente nunca pareceu tão convidativa. De onde vem tanta relutância, afinal? Por que nos rendemos tão facilmente a um pecado capital?

Em Suma Teológica, livro escrito em 1200 e guaraná com rolha, o teólogo medieval Tomás de Aquino aponta a preguiça como a “lentidão da mente que negligencia o início do bem… é cruel em seus efeitos, pois oprime o homem a ponto de afastá-lo inteiramente das boas ações”.

O que ele não parou pra pensar é que, na maioria das vezes, o indivíduo preguiçoso não tem lá muita vontade de fazer o mal também. Vai! É muito trabalho!

Da origem: Os sete pecados capitais tradicionais – conforme retratados na literatura clássica – são, na verdade, arquétipos (exemplos típicos de um comportamento). É difícil imaginá-los como algo que não seja religioso, mas já que não são mencionados na Bíblia (pelo menos não diretamente), suas origens vão além da igreja.

No Antigo Testamento, sete espíritos são mencionados. Entre eles estão fornicação, glutonaria, briga, vanglória, orgulho, mentira e injustiça. Essa lista provavelmente influenciou Evágrio Pôntico (escritor e monge cristão) a escrever sobre as seguintes categorias: gula, luxúria, ganância, tristeza, ira, orgulho, vaidade e preguiça.

Arte do pintor Stasys Eidrigevicius

Não adianta: o pensamento católico sobre esse último sempre o sustentará como um empecilho ao desenvolvimento do espírito. “A preguiça é o desejo de comodidade às custas de fazer a vontade de Deus, pois tudo o que fazemos na vida exige esforço. Tudo o que fazemos deve ser um meio de salvação. A pessoa preguiçosa não está disposta a fazer o que Deus deseja por causa do esforço necessário para fazê-lo”.

Dói, né?
E você nem precisa ser religioso pra sentir na pele o peso da preguiça.

Nem sempre é pecado ser preguiçoso

Você acorda, toma seu cafézinho, para na frente do computador e percebe que não consegue realizar atividades simples. O desânimo é tanto que só de olhar pra área de trabalho já te bate aquele desespero.

“Eu sou muito preguiçoso mesmo”, conclui. “Preciso voltar à ativa.”

Sim, partir pra ação com toda a força de vontade possível é o desejo de todos os trabalhadores e estudantes do mundo, mas fazê-lo vai além de ler algumas frases motivacionais no Instagram.

A psicoterapeuta Laura D. Miller, de Manhattan, acredita que a preguiça nada mais é do que um construto mentiroso. Isso mesmo que você leu. A preguiça é um mito social.

“Preguiça é uma crítica exagerada – um julgamento de caráter, na verdade – que não faz nada para nos ajudar a entender por que alguém não se esforça para fazer o que quer ou que se espera que faça.”

Laura D. Miller

Dessa forma, quando abandonamos a visão prática da desculpa da preguiça e estudamos suas motivações, encontramos uma série de questões mais complicadas:

  • Medo do fracasso
  • Medo do sucesso
  • Medo das expectativas
  • Necessidade de descanso
  • Depressão

Os sintomas mais comuns da depressão incluem a falta de motivação, fadiga e anedonia (falta de prazer nas coisas que antes gostava). Ao denominar-se “preguiçoso”, o indivíduo pode estar ignorando os sinais de que está deprimido e precisa de tratamento.

Em suma, a preguiça pode ser o resultado direto da falta de autoestima, falta de reconhecimento positivo por parte dos outros, falta de disciplina ou falta de interesse pela atividade em questão.

E é exatamente por isso que a preguiça pode se manifestar como procrastinação.

Preguiça vs Procrastinação

Quem nunca acordou e rolou pro outro lado da cama que atire a primeira pedra. Afinal, pra que fazer hoje o que você pode fazer amanhã?

É esse tipo de pensamento que nos faz aceitar a preguiça como inimigo mortal e companheiro de todas as horas. Nathalia Holanda, estudante, sabe que sua procrastinação não é “falta do que fazer” – muito pelo contrário. “Gosto de muitas coisas e sempre tenho algo em mente do que fazer, mas a preguiça fala mais alto, me impedindo de fazer as tarefas mais simples e/ou banais do dia a dia”.

Assim como outras pessoas que também se consideram preguiçosas, Nathalia reconhece sua capacidade e consegue imaginar o passo a passo de uma atividade – o problema é o adiamento dela e a preferência por atividades que exijam um esforço menor. “Assim evito qualquer coisa que possa me desgastar mais”, conclui.

No caso dela e de muitos outros pseudo-preguiçosos, a procrastinação vem como um falso bálsamo: uma opção que os livra de tarefas (árduas ou não) as atirando para um futuro próximo. Não é que eu não vá fazer, entende? Eu só não vou fazer agora.

Eita preguicinha boa

Porém, quando você procrastina, em vez de trabalhar em tarefas importantes e significativas, você acaba realizando atividades triviais. Tecnicamente você não está fazendo nada: está apenas perdendo tempo com coisas aleatórias.

Etimologicamente, “procrastinação” deriva do verbo em latim procrastinare – adiar para amanhã. Mas é mais do que apenas atrasar a entrega de resultados voluntariamente. A procrastinação também é derivada da antiga palavra grega akrasia – fazer algo contra nosso melhor julgamento.

Veja só: a estudante também gosta de cantar, dançar, escrever e ler, mas está sempre postergando, deixando para uma outra hora que nunca chega.

Mas não é tão simples: como citado no tópico anterior, a preguiça e a depressão possuem uma conexão forte e, no caso de Nathalia, contribuem para acentuar seus humores “depressivos”; ela se diz lidar com dias em que não tem disposição emocional e/ou física e acaba usando a preguiça como um pretexto.

“A procrastinação é um problema emocional, não um problema de gerenciamento de tempo”, diz Dr. Tim Pychyl, professor de psicologia e membro do Grupo de Pesquisa de Procrastinação da Carleton University em Ottawa.

Um pouco de preguiça e muita auto sabotagem

E já que nosso humor certamente influencia, como contornar essa situação? Como lidar com as consequências?

São muitas as perdas resultantes da procrastinação e da preguiça. Nathalia já perdeu prazos importantes, oportunidades de trabalho, estudos e até reconhecimento. “A preguiça já me fez ter que correr contra o tempo, tentar redigir um artigo em 1 dia quando eu tive quase 1 mês para fazê-lo”.

As perdas também refletiram em sua vida social, já que acabou por se distanciar de pessoas por ter preguiça de manter um relacionamento com elas. Quem nunca enrolou para responder um amigo no What’sApp? Faz parte do nosso dia a dia.

O que também deveria fazer parte e infelizmente não é vendida em prateleiras de supermercado é a força de vontade. Aquela lá, citada no começo do artigo. Ao levar em conta as causas e as consequências da preguiça, um oceano de possibilidades se abre perante os olhos do preguiçoso.

Primeiro é preciso ver se:

  • A depressão possa estar envolvida
  • Exista uma necessidade de diminuir a demanda de trabalho recebida
  • O ambiente em que você trabalha/estuda não oferece conforto
  • Sua saúde não está em dia
  • Existem problemas de autoestima que precisam ser resolvidos

Confirmando a existência de um ou mais obstáculos como os citados acima, fica mais fácil abordar seus problemas individualmente.

O indivíduo com depressão vai trabalhá-la através de tratamento psiquiátrico, enquanto o workaholic vai lidar com uma demanda mais realista. Um ambiente mais confortável pode sim influenciar no fluxo de trabalho, e certas doenças afetam nossa capacidade cognitiva, o que também pede por tratamentos focalizados.

Já na questão da autoestima, todas as soluções citadas no parágrafo anterior podem vir a funcionar. Outra sugestão é trabalhar esse aspecto com mais estudos, afinal, o conhecimento é a única garantia de que você está no caminho certo.

Por que somos tão preguiçosos?

Porque é gostoso! Não existe quem não goste de uma zona de conforto!

Por mais tentadora que uma aventura possa ser, sempre teremos uma opção confortável à qual voltar caso alcancemos nossos limites.

Nem sempre estamos dispostos a fazer algo que não é do nosso interesse. De vez em quando é bom adiar tarefas pra tirar uma soneca depois do almoço. A preguiça é inerente ao ser humano – o segredo é não se deixar castigar.

Bom, espero que tenham gostado, pois vou terminar o artigo por aqui. Sabe como é, né? Estou com preguiça de continuar.

Fonte de auxílio: Psychology Today, New York Times

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s